Quarta-feira 24 de Abril de 2024

Polícia Judiciária de portas abertas para a Integridade a toda a velocidade

IMG_4325Se bem que tenha vindo – desde o início do processo – a trabalhar para se adaptar a renovadas variantes de temas que tem dado que muito que falar nos últimos, no âmbito do desporto, a Polícia Judiciária entrou mais a sério na luta pela integridade, em especial nos dias mais recentes.

Tendo como pano de fundo a Conferência Internacional de Integridade Desportiva, sob o desafio de Implementar Políticas, Concertar Ações, Reforçar a Investigação, numa organização que teve também a marca do Comité Olímpico de Portugal (COP), Luís Neves, director nacional da Polícia Judiciária, foi muito claro ao declarar que “há que mudar de paradigma e deixarmo-nos de hipocrisia e cinismos no que respeita ao estatuto de arrependido”, no evento que se efectuou esta quinta-feira na sede nacional da PJ.

Luís Neves chamou ainda a atenção para um problema que tem condicionado o apuramento de resultados nesta área: “Este e outros combates só podem ser feitos se as instituições não estiverem compartimentadas e balcanizadas. Temos de ter a coragem de falar destas matérias, em que o único condenado é o que confessa.”

Ainda no discurso de abertura, Luís Neves reconheceu que existe “um aumento do impacto social nos eventos desportivos, competições que se pretendam tenham um espirito desportivo e fair play junto das camadas mais jovens” pelo que “a Polícia Judiciária vai contribuir para o debate deste assunto, para que não sejam apenas os arrependidos a pagar”, seja em que vertente for, sabendo-se que o branqueamento de capitais e a droga sejam os mais graves, a par da manipulação dos resultados desportivos e à fraude fiscal.

Luís Neves aproveitou para dar conhecimento de que, nos dois dias anteriores, a direcção nacional e vários agentes (da própria polícia) e ligados ao desporto, tiveram oportunidade de fluir várias áreas de intervenção, dando um alto cunho de celeridade para que se comece a tratar, de forma correcta, estas novas áreas do conhecimento e que tão mal tem tratado o desporto e os desportistas.

José Manuel Constantino, presidente do COP, deixou um alerta bem vincado: “A integridade, IMG_4337não tenhamos dúvidas, há muito está posta em causa e é hoje uma das maiores, mais sérias e complexas ameaças que o desporto enfrenta. Maior pelo volume financeiro que comporta. Mais sérias pela dimensão da rede de criminalidade organizada transnacional que opera com baixo risco e elevados lucros.”

Convidado a fazer a intervenção de encerramento, Constantino concluiu que os trabalhos da conferência acentuaram ser necessário “trabalhar este fenómeno numa perspectiva integrada, em três eixos: Educação/Prevenção – Regulação (disciplinar e criminal) – Detecção e partilha de informação”, tendo sustentado que “a globalização do fenómeno desportivo, a sua mercantilização alavancada por um crescente volume financeiro e interesses de cariz económico e político, uma cultura de auto-regulação que resiste ao controlo dos poderes públicos, tem exposto vulnerabilidades preocupantes da indústria do desporto à permeabilidade das ameaças crescentes que corroem os seus pilares fundamentais.”

Vítor Caldeira, presidente do Tribunal de Contas e do Conselho de Prevenção da Corrupção, considerou “a fraude e a corrupção nas actividades desportivas são questões de criminalidade organizada”, tendo declarado o empenho do CPP “em todas as actividades que promovam a ética e a integridade.”

O chairman do International Centre for Sport Security (ICSS), Mohammed Hanzab, alertou para o crescimento dos e-sports e do fenómeno de manipulação de resultados nesta área, desafiando os anfitriões da Conferência no combate à corrupção no desporto. “Portugal tem uma responsabilidade nesta área, por ser o campeão da Europa de futebol e ter um dos melhores treinadores e um dos melhores jogadores do mundo”, considerou.

Na presença do secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, o CEO da Sport Integrity Global Alliance (SIGA), Emanuel Medeiros, traçou o objectivo de tornar o desporto num “sector que possa ser digno, íntegro e limpo”, existindo para isso a necessidade de “prevenção no combate ao crime organizado, que se revela de forma transnacional. Esta missão não cabe aos organismos desportivos, mas ao Estado.”

O Desporto e a Moderna Criminalidade

No primeiro painel de debate, moderado por Emanuel Medeiros (CEO da SIGA), Giovanni Tartaglia, juiz e conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Itália, abordou os desafios futuros, numa nova era de corrupção no desporto, sublinhando o facto das redes criminosas tirarem vantagem da globalização. “O desporto atrai o crime por interesses económicos e pela visibilidade mediática. O crime infiltra-se para a lavagem de dinheiro.”

Amadeu Guerra, Procurador-Geral distrital de Lisboa, considerou que “a investigação criminal no desporto tem as mesmas especificidades da área económico-financeira”, sublinhando as dificuldades criadas pelas novas formas de actuação no mundo global. “As operações electrónicas de transferências financeiras não estão documentadas e ficam alojadas em servidores localizados no estrangeiro ou em “clouds”. Falta capacidade de intercepção de determinados meios de comunicação.” E apontou lacunas materiais: “faltam estes meios, não as questões legislativas. Não precisamos de legislação, precisamos de meios”, reforçou.

Amadeu Guerra referiu existir um número considerável de denúncias de corrupção, embora a sua maioria seja anónima, defendendo a criação de um novo paradigma: “É preciso repensar a cooperação com os organizadores das competições, é importante envolver os atletas nas denúncias.”

O Procurador-Geral defendeu também que “Portugal ainda não adoptou uma estratégia de combate à corrupção.”

Perante o noticiário de casos de corrupção que invade o espaço mediático, Amadeu Guerra foi claro: “o tempo da comunicação social é diferente do nosso. Não vamos lá com convicções pessoais, temos de apresentar provas.”

 

Cooperação Internacional – Abrir a janela da opacidade à investigação penal

José Tavares, juiz conselheiro e director-geral do Tribunal de Contas, moderou o último painel da manhã, abrindo-o com a revelação do significado da palavra “corrupção”, que pode equivaler a “putrefacção”.

David Luna, presidente da Luna Global Networks & Convergence Strategies, abordou o crime no desporto, marcado pela lavagem de dinheiro, por ser transnacional, e envolver tráfico de drogas, contrafacção e tráfico humano. “Corrupção é um problema global, não é um problema dos Estados Unidos ou de Portugal” e lançou um desafio: “Precisamos dos campeões para ajudar a combater este problema.”

José Luís Trindade, assistente do Membro Nacional de Portugal no Eurojust, António Cluny, sublinhou a necessidade de fomentar a “cooperação com fornecedores de conteúdos, como a Google, Facebook e Instagram, para a obtenção de prova digital.” E explicitou depois o papel do Eurojust, que coordena investigações e procedimentos criminais através da partilha de informação com autoridades nacionais, chamando a atenção para a facilitação da constituição equipas de investigação conjunta, com recurso a financiamento.

Emma McClarkin, ex-deputada britânica ao Parlamento Europeu, reforçou a ideia de que o problema da corrupção “não é novo, mas existe agora a sofisticação de uma actividade criminal que se mudou para o desporto. Tudo está a acontecer sob a capa do desporto. Precisamos de toda a gente para travar esta luta”, concluiu.

 

Apostas Desportivas: Investigação, Monitorização e Partilha de Informação

João Paulo Almeida, Director-geral do COP e Consultor do Observatório do Jogo Responsável, abriu e moderou o primeiro painel da tarde: “O jogo comporta risco para a ordem pública e saúde pública, e cada vez maior risco para a integridade do desporto.”

José de Freitas foi membro da Scotland Yard (durante 30 anos) e é agora investigador da Tennis Integrity Unit (TIU), onde começou a trabalhar com três pessoas, sendo agora 19, com um orçamento de quatro milhões de dólares, na monitorização de 120 mil jogos de ténis por ano.

José de Freitas revelou como o ténis é uma das modalidades mais propensas à manipulação, tendo apresentado casos dramáticos de jogadores que comprometeram decisivamente as suas carreiras, depois de terem cedido face a propostas de combinação de resultados.

O membro da TIU referiu que os jogadores portugueses reportam muitas tentativas de aliciamento, tendo alertado para a necessidade de investir na educação: “É uma das prioridades obrigatória.”

Director de Operações Anti-Corrupção e Transparência da ICSS, Fred Lord esclareceu que a maioria dos 301 casos de corrupção assinalados em sete regiões do globo são dominados pelo futebol (265).

José Ribeiro, inspector-chefe da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, começou por explicar como em Portugal a tomada do capital social da SAD do Atlético pelos chineses da Anping configurou um caso manipulação de resultados, com dois administradores a pressionar treinadores e jogadores para perderem jogos. “Não conseguimos concluir o caso com a acusação e acabou arquivado, apesar das suspeitas.”

O membro da PJ falou do maior problema que se põe às autoridades: “Chegamos à conclusão que existe uma rede criminosa, mas sozinhos não conseguimos fazer nada. Precisamos de nos adaptar aos instrumentos, salientando a ausência de cooperação. É preciso que as sinergias sejam efectivas, não é só na justiça e nas federações, é entre a justiça, as federações e os operadores.”

José Ribeiro alertou para a necessidade de se “encontrar um caminho, uma forma de obter e analisar a informação, não esperar pelo processo-crime.” E depois abordou um dos mecanismos previstos pela Convenção, que prevê o funcionamento de uma plataforma nacional em defesa da Integridade. “O que é a plataforma nacional?” – questionou. “Informalmente, tem sido possível falar, mas o que a Convenção impõe é passarmos para o plano formal.” Mas, com o sigilo a que as instituições estão obrigadas, “como é que se passa a informação? O repto que deixo a quem decide, o Governo, é atender aos exemplos internacionais. Só conseguimos formalizar uma plataforma se juntarmos toda a gente.”

João Paulo Almeida rematou o painel com uma queixa: “Perdemos três anos para criar uma plataforma nacional.”

Prevenção e Combate à Fraude Fiscal e Branqueamento de Capitais no Desporto

Diogo Guia, director de Políticas Públicas do Desporto do ICSS Insight, moderou o último painel, no qual participou Rui Marques, procurador da República (DCIAP), que sublinhou a “exigência de responsabilidade acrescida” colocada ao desporto na actualidade.

Carlos Casimiro, procurador da República (DCIAP), esclareceu que as violações à integridade  podem passar por fenómenos como “as parcerias das Câmaras Municipais com entidades privadas, com cedências gratuitas de instalações ou outras formas de patrocínio a pessoas colectivas que visam o lucro”, tendo reforçado “a importância dos denunciantes e da existência de uma plataforma de denúncia na PGR.”

Se é uma certeza que foram perdidos três anos para se criar uma plataforma global de cooperação para tratar destas matérias, aguarda-se que a velocidade de implementação seja aumentada para que Portugal – que tem andado na primeira linha na discussão mundial destes temas logo após o surgimento da SIGA e com o COP a ser o ponta de lança no país – possa dar mais um exemplo de Integridade, ainda que, pelo que se tem visto, é coisa que pouco parece preocupar os governantes deste país.

 

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