Terça-feira 14 de Maio de 2024

As mais antigas evidências da presença de vertebrados nas profundezas oceânicas revelados por curiosos

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Thomas Linley, Alan Jamieson

Cientistas descobrem peça que faltava no quebra-cabeças da Evolução em rochas com 130 milhões de anos.

Fósseis extremamente raros revelam as mais antigas evidências de peixes que viveram em ambientes marinhos abissais, atrasando a colonização dos fundos oceânicos em 80 milhões de anos.

Esta conclusão revolucionária foi apresentada num novo estudo conduzido por uma equipa internacional de cientistas liderada pelo paleontólogo Andrea Baucon e onde participaram os paleontólogos portugueses membros e colaboradores do Instituto D. Luiz Carlos Neto de Carvalho e Mário Cachão.

O estudo foi publicado na edição de setembro da Proceedings of the National Academy of Sciences (https://doi.org/10.1073/pnas.2306164120), uma das revistas científicas multidisciplinares revistas por pares mais citadas do mundo.

“Quando encontrei os fósseis pela primeira vez, não pude acreditar no que estava a ver”, diz Baucon, que descobriu os fósseis atribuídos a peixes no noroeste dos Apeninos, perto de Piacenza, Modena e Livorno (Itália). A idade destes fósseis antecede qualquer outra evidência de peixes de ambientes dos fundos oceânicos conhecidas até hoje. Os fósseis recém-descobertos datam do Cretácico Inferior (há cerca de 130 milhões de anos). “Os novos fósseis mostram a atividade de peixes no que foi um fundo marinho a milhares de metros de profundidade”, diz Baucon.

Os fósseis agora descobertos são raros e especiais. Incluem escavações em forma de tigela produzidas por antigos peixes enquanto se alimentavam, bem como trilhos sinuosos formados pela cauda de um peixe nadador, marcando os sedimentos barrentos depositados no fundo do mar. Estes vestígios fósseis não incluem ossos de peixes, mas registam comportamentos reconhecidos para estes animais. Como tal, os fósseis dos Apeninos marcam um ponto crítico no espaço e no tempo. É o momento em que os peixes saíram das zonas costeiras e de plataforma, e vieram a colonizar um novo ambiente em quase tudo hostil, localizado longe do seu habitat original. “Os vestígios fósseis estudados são em muitos aspectos comparáveis com as pegadas dos astronautas na Lua”, diz Baucon.

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Andrea Baucon

Milhares de metros abaixo da superfície do então Oceano Tétis, os primeiros peixes de águas profundas enfrentaram condições ambientais extremas relativamente às suas origens em águas costeiras: escuridão total, temperaturas próximas do ponto de congelação e pressões colossais desafiaram a sobrevivência destes pioneiros do abismo. “Como se isso não bastasse, correntes turvas varreram as vastas planícies lamacentas patrulhadas por estes peixes ancestrais”, diz Luca Pandolfi. Tais condições extremas exigiram adaptações para a vida no fundo do mar que são inovações evolutivas tão significativas quanto aquelas que permitiram a colonização da terra e do ar (por exemplo, asas e membros).

Os fósseis recém-descobertos representam não apenas os primeiros peixes de águas profundas, mas também os primeiros vertebrados de águas profundas. A evolução dos vertebrados – animais com espinha dorsal – foi pontuada por transições de habitat de origens marinhas costeiras para ambientes terrestres, aéreos e de águas profundas. A invasão do mar profundo é a transição de habitat menos compreendida devido ao baixo potencial de fossilização associado ao mar profundo. “Os novos fósseis lançam luz sobre um capítulo obscuro da história da vida na Terra”, comenta Carlos Neto de Carvalho, coordenador científico do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO e conhecido paleontólogo português especialista na evolução do comportamento animal através do registo fóssil.

Os fósseis dos Apeninos obrigam os cientistas a reconsiderar quais os factores que podem ter desencadeado a colonização de vertebrados das profundezas do mar. Baucon e colegas propõem que o principal factor foi a entrada sem precedentes de matéria orgânica que ocorreu entre o Jurássico Superior e o Cretácico Inferior. A disponibilidade de alimento nas profundezas do mar favoreceu o incremento populacional e de diversidade dos invertebrados que vivem nos fundos abissais, o que, por sua vez, atraiu peixes que utilizavam comportamentos específicas para expô-los. “Comportamento: é disso que tratam os novos fósseis”, diz Girolamo Lo Russo.

No novo estudo, os investigadores usaram uma abordagem peculiar para compreender o comportamento representado por estes fósseis. “Recorremos aos mares de hoje para compreender o passado”, diz Fernando Muñiz. Baucon e colegas estudaram o comportamento dos peixes modernos nos seus habitats. “As costas de Espanha e de Itália forneceram a chave para a interpretação das estruturas fósseis”, revela Zain Belaústegui, apoiado nas palavras de Chiara Fioroni: “Observar os peixes modernos tem sido esclarecedor”. Os cientistas exploraram ainda as profundezas do Oceano Pacífico para estudar as quimeras, também conhecidas como tubarões-fantasma, no seu ambiente natural. “A 1500 m de profundidade, observamos uma quimera mergulhando a boca no sedimento. Agora sabemos que foi um vislumbre do passado!” diz Thomas Linley.

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Andrea Baucon

Os novos fósseis são idênticos às estruturas produzidas pelos peixes modernos que se alimentam arranhando o fundo do mar ou expondo por sucção as suas presas que vivem no fundo. Comportamentos que recordam os Neoteleostei, o grupo de vertebrados que inclui os modernos peixes-medusa e os peixes-lagarto. “Uma característica fundamental dos Neoteleostei é o aparelho de alimentação por sucção altamente desenvolvido, portanto, os fósseis dos Apeninos podem representar um estágio muito inicial de diversificação dos Neoteleostei no mar

profundo”, explica Imants Priede. “O presente é a chave do passado… e vice-versa!” reforça Mário Cachão, o bem conhecido paleontólogo e Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Os fósseis recentemente descobertos podem representar o primeiro grande passo nas origens da moderna biodiversidade de vertebrados que se encontram em águas profundas. “Peixes como o batissauro e o peixe-aranha tripé são uma componente importante dos modernos ecossistemas de águas profundas”, revela Armando Piccinini. As raízes dos ecossistemas modernos dos fundos oceânicos estão nos fósseis dos Apeninos, testemunhando uma transição de habitat fundamental na história dos oceanos. “As nossas descobertas de fósseis reavaliam o momento e o modo como se fez a colonização dos vertebrados nas profundezas do mar. Os fósseis recém-descobertos contêm pistas fundamentais sobre o início da evolução dos vertebrados nos grandes fundos oceânicos, tendo implicações profundas tanto para as ciências da Terra como para as ciências da Vida”, resume Andrea Baucon.

O estudo contou com a colaboração de instituições científicas de Itália (Universidades de Génova, Modena e Reggio Emilia, Pádua, Pisa, Parma; Museu de História Natural de Piacenza; Museu da Natureza de Tirol do Sul), Portugal (Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO; IDL – Universidade de Lisboa), Inglaterra (Universidade de Newcastle), Espanha (Universidades de Sevilha e Barcelona), Austrália (Universidade da Austrália Ocidental), e Escócia (Universidade de Aberdeen). O estudo beneficiou de um financiamento significativo da Fundação para a Ciência e Tecnologia através de fundos nacionais (PIDDAC).

 

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